Vendem-se criminosas: um ensaio etnográfico em uma clínica contra a lei
Palavras-chave:
Aborto. Direitos reprodutivos. Ilegalidades. Moralidades.Resumo
O aborto voluntário no Brasil é tão cotidiano como a construção de uma alteridade
radical para as mulheres que o praticam. Mesmo em um contexto médico, moral,
religioso e jurídico que condena a interrupção voluntária da gravidez, uma em cada
cinco mulheres até os 40 anos de idade realizou pelo menos um aborto no país (DINIZ;
MEDEIROS, 2012). Neste ensaio, descrevo uma incursão etnográfica em uma clínica
que realiza aborto em uma cidade brasileira. Conversei com 12 mulheres, todas
decididas a interromper voluntariamente uma gravidez. Com os fragmentos de
discursos, silêncios, lágrimas e recordações, procuro reconstituir o momento anterior ao
procedimento que as criminaliza perante o Estado, apresentando questões que
perpassam subjetividades marcadas pelo peso de infringir leis, sendo elas religiosas,
morais ou legais. Ao identificar histórias e itinerários do aborto em mulheres comuns,
rompe-se a aura de segredo que tem colaborado para o emudecimento de experiências,
que, por serem sufocadas e clandestinas, colocam tantas mulheres em risco.