Chamada para o Dossiê “Lawfare e Anticorrupcionismo”
Chamada para o Dossiê “Lawfare e Anticorrupcionismo”
Revista Cronos - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Brasil
Silvina Romano (CONICET/UBA - Argentina)
Gabriel E. Vitullo (UFRN - Brasil)
Na última década, as pesquisas acadêmicas sobre os processos de lawfare na América Latina cresceram significativamente. No entanto, um dos seus pilares discursivos fundamentais — a guerra contra a corrupção ou a narrativa anticorrupção — recebeu muito menos atenção. A crítica acadêmica ao uso do relato da corrupção para fins políticos continua escassa e é ainda mais limitada quando se trata de investigar suas conexões estruturais com o lawfare.
A narrativa dominante insiste que a maior ameaça ao desenvolvimento da América Latina é a corrupção. Mas essa denúncia não é formulada de forma abstrata ou generalizada, mas sim sistematicamente focada em governos com orientação nacional-popular ou progressista. Essa visão é apoiada por fundações, centros de pesquisa — principalmente estadunidenses —, organizações multilaterais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, bem como uma variedade de “especialistas” regionais. Segundo essa perspectiva, o fortalecimento do Estado e sua intervenção na economia — característicos desses governos — seriam sinônimos de ineficiência, clientelismo e corrupção.
O diagnóstico não é novo. Faz parte da lógica das políticas de ajuste estrutural impulsionadas desde a década de 1980 e no ideário do Consenso de Washington, que associa a “modernização” do Estado a uma suposta erradicação da corrupção. Nessa linha, os programas de reforma judicial — promovidos por organizações como a USAID e o BID — buscam reorganizar o Estado sob padrões internacionais que garantam segurança jurídica ao capital estrangeiro, em nome da “boa governança”.
É nesse contexto que o “combate à corrupção” se tornou um instrumento fundamental para a deslegitimação política e a criminalização de lideranças populares. Veículos de comunicação, organizações do terceiro setor e think tanks despontam como atores-chave nessa ofensiva que deprecia a esfera pública, demoniza formas de participação política voltadas à ampliação de direitos e à melhoria das condições de vida das grandes maiorias, ao mesmo tempo em que incentiva o crescimento de setores neofascistas e normaliza a perseguição judicial e midiática. Não é de surpreender, então, que os principais casos de lawfare na América Latina tenham sido articulados em torno do discurso anticorrupção, que opera como uma justificativa pública para inquéritos policiais, prisões preventivas e processos judiciais baseados principalmente em evidências fabricadas ou, na melhor das hipóteses, em evidências inconclusivas.
Este dossiê visa abrir um espaço de reflexão crítica sobre esses fenômenos, que possibilite uma análise séria e sistemática do uso da narrativa da corrupção para fins políticos (o que não significa negar a existência da corrupção, mas sim centrar o debate na judicialização e instrumentalização de potenciais casos de corrupção em benefício de determinados setores e interesses). Convidamos professores, pesquisadoras/es e estudantes de pós-graduação a enviarem contribuições que abordem a funcionalidade do anticorrupcionismo para a criminalização da política e o ataque a governos populares. Como guia, propomos algumas questões que podem orientar as propostas:
- A corrupção é realmente o principal problema da América Latina?
- Quais atores impulsionamesse diagnóstico e com quais propósitos?
- Quais indicadores são usadospara medir a corrupção e a quais interesses eles atendem?
- Quem define, no debate público, o que se deve entender por corrupção?
- Como as relações centro-periferia e a arquitetura institucional internacional influenciam a configuração dessa agenda?
- Qual o papel do discurso anticorrupção nos processos de lawfare?
- Quais os efeitos do “combate à corrupção” na estigmatização de lideranças progressistas e no desmantelamento de projetos políticos transformadores?
- Até que ponto as forças políticas mais afetadas pela enviesada retórica da guerra à corrupção conseguem articular respostas que as tirem de uma posição puramente defensiva e do campo dos escândalos e da “pequena política”?
- Que ações poderiam ser tomadas para combater o lawfaree a anticorrupcionismo e, assim, promover uma rehierarquização dos grandes assuntos na agenda pública?
Esperamos receber artigos de diversas disciplinas e perspectivas — teóricas ou empíricas, monográficas ou comparativas — que contribuam para problematizar essas dinâmicas e, assim, enriquecer o debate sobre os enormes desafios que as democracias latino-americanas enfrentam atualmente.
As submissões — em português, espanhol, francês ou inglês — podem ser enviadas até 12 de julho de 2025, pela plataforma da revista: https://periodicos.ufrn.br/cronos/about/submissions. Elas passarão por processo de revisão por pares duplo-cego e devem seguir rigorosamente nas normas da Cronos. Para dúvidas ou informações adicionais: cronosppgcs@gmail.com
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