Chamada para submissão de artigos para o dossiê "40 ANOS DA EPIDEMIA DO HIV/AIDS: continuidades, transformações e dilemas nas respostas e enfrentamentos de um evento crítico global". A ser publicado no número 60 em dezembro de 2022.

03-05-2022

Carlos Guilherme do Valle (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN)

Susana Margulies (Universidad de Buenos Aires, UBA)

 

Após quatro décadas de eclosão da pandemia global de HIV/Aids, depois disseminada em epidemias mais especificas, localizadas, continuamos com impactos e dinâmicas societárias, culturais, político-governamentais e epidemiológicas envolvendo pessoas, coletividades, organizações e instituições direta ou indiretamente afetadas por esse grave problema de saúde pública. Nos primeiros anos da Aids na década de 1980, perplexidades, inseguranças, dúvidas e medos revelavam um idioma de co-produção de uma enfermidade atravessada por discursos caracterizados pela criação de pânicos morais e sexuais, sobretudo em relação à diversidade sexual, mas igualmente à estilos de vida específicos e também à temores em termos de raça/etnia e classe social. A dificuldade científica inicial de se identificar um agente patogênico que causava a morte de pessoas jovens, em especial homossexuais, vistos como os principais responsáveis pela disseminação de um mal, marcava-se, por um lado, pela limitação extrema de protocolos terapêuticos eficazes, as dificuldades de atenção e cuidado em saúde, muitas vezes motivadas pela estigmatização decorrente do pânico moral instalado, mas, por outro lado, a morosidade em estabelecer políticas públicas de saúde e a institucionalização de agências governamentais que enfrentassem a gravidade da Aids. Isso foi evidente tanto em países “desenvolvidos” como, digamos, nos “demais”, tais como diversos países da América Latina. Pode-se dizer que o caráter global da Aids como uma pandemia, sobretudo nas duas primeiras décadas de sua emergência, evidenciou o que seria um verdadeiro evento crítico, articulando experiências pessoais a níveis variados de sofrimento social, socialidade e de violência estrutural.

A partir da década de 1990, passou a existir uma crescente biomedicalização e farmaceuticalização do HIV/Aids, embora tudo isso já estivesse presente desde os meados da década de 1980. Os enormes investimentos em pesquisa científica e o mercado lucrativo que fortalece ainda mais a indústria farmacêutica de remédios antiretrovirais foi um processo concomitante de intensa mobilização de ativismo biossocial de Aids, envolvendo pessoas, organizações e associações da sociedade civil. A partir de 1996, a terapia combinada tornou-se o protocolo biomédico defendido pela ciência, pela medicina e pelo ativismo de HIV/Aids, assegurado por modelos privados ou públicos de acesso e distribuição de medicamentos. Uma multiplicidade de exames e tecnologias biomédicas passaram a ser usadas e vividas de modo rotineiro e cotidiano por parte das pessoas vivendo com HIV/Aids, tal como os testes sorológicos ou o exame de carga viral (PCR), que coexistiram com dinâmicas e interações sociais pautadas no status sorológico e a formação de identidades clínicas ou biosociais, além da criação de mundos, coletividades e comunidades biosociais ou biopolíticas a partir do status sorológico e da condição biológica pela presença de um retrovírus no corpo e na vida.

Desde então, sobretudo no século XXI, estamos vendo reorientações em torno da prevenção da infecção ao HIV, não mais centrada no modelo preventivo de “comportamento mais seguro” com o uso de preservativos (masculinos e femininos). Nos últimos dez anos, estamos observando, sobretudo, a defesa e a regulamentação de protocolos e modelos de prevenção pré ou pós-exposição da infecção do HIV (PREP e PEP), agora assegurado por meio de políticas públicas regulamentadas, por exemplo em países como o Brasil e a Argentina, o acesso a remédios anti-retrovirais para pessoas não infectadas pelo HIV, o que evidencia uma mudança significativa diante daquele modelo de prevenção que emergiu a partir dos primeiros anos da epidemia, inclusive como uma resposta prática urgente do ativismo LGBT e de HIV/Aids. É verdade que havia questionamentos, já com razoável antecedente histórico, desse modelo preventivo “comportamental” pautado no “sexo seguro”, cujas criticas tinham, porém, alcance restrito por meio de estímulos e discursos favoráveis ao sexo bareback (sem camisinha, “inseguro”), questionando o higienismo dos protocolos de prevenção ao HIV. Do mesmo modo, aconteciam, em concomitância, mobilização social e empreendimentos morais em prol de uma legislação mais dura e robusta de criminalização da infecção do HIV como uma nova tipificação penal voltada à crimes de responsabilização individual ao se transmitir uma doença sem cura. 

O atual cenário das experiências e políticas do viver com HIV/AIDS expõem refrações de um processo histórico já de longa duração em que categorias como indetectabilidade ao HIV supõe a ideia de “tratamento como prevenção”, conjugada a uma rotina de exames e testes que monitoram de modo molecular as taxas virais e as rotinas regulares (durante uma vida?) de gestão do status sorológico do HIV (e também de outras infecções sexualmente transmissíveis). Como antes no século XX, o atual contexto se apresenta por meio da heterogeneidade e/ou pluralidade de experiências do viver com HIV/Aids, reconhecendo fatores ou marcadores sociais como gênero, diversidade sexual, classe, etnia/raça, geração/idade, etc. Tudo isso evidencia um grave problema de saúde pública cujas experiências, mobilizações e respostas caracterizam-se por interseccionalidades e pluralidades societárias ou culturais.

Para o dossiê, pretendemos reunir artigos que evidenciem pesquisas empíricas aprofundadas, sobretudo aquelas em uma fase adiantada de investimento analítico e metodológico. Esperamos receber propostas de artigo realizadas em Antropologia e nas demais Ciências Sociais bem como em Saúde Coletiva.

As/os autores/as devem submeter seus textos, seguindo as normas do periódico, por meio do portal https://periodicos.ufrn.br/vivencia/index até o dia 22 de agosto de 2022. O número está previsto a ser publicado para o segundo semestre de 2022. A revista Vivência publica textos em português, espanhol, inglês e francês. Portanto, artigos estrangeiros serão bem-vindos.

Para mais informações, enviar mensagem para o e-mail vivenciareant@yahoo.com.br indicando como assunto da mensagem o tema do dossiê: “40 anos da epidemia do HIV/Aids”.

É indispensável que as/os autores observem as normas da Vivência [em: https://periodicos.ufrn.br/vivencia/about/submissions] antes de submeterem as suas propostas.