Chamada para submissão de artigos para o dossiê "40 ANOS DA EPIDEMIA DO HIV/AIDS: continuidades, transformações e dilemas nas respostas e enfrentamentos de um evento crítico global". A ser publicado no número 60 em dezembro de 2022.
Carlos Guilherme do Valle (Universidade Federal do Rio Grande do Norte, UFRN)
Susana Margulies (Universidad de Buenos Aires, UBA)
Após quatro décadas de eclosão da pandemia global de HIV/Aids, depois disseminada em epidemias mais especificas, localizadas, continuamos com impactos e dinâmicas societárias, culturais, político-governamentais e epidemiológicas envolvendo pessoas, coletividades, organizações e instituições direta ou indiretamente afetadas por esse grave problema de saúde pública. Nos primeiros anos da Aids na década de 1980, perplexidades, inseguranças, dúvidas e medos revelavam um idioma de co-produção de uma enfermidade atravessada por discursos caracterizados pela criação de pânicos morais e sexuais, sobretudo em relação à diversidade sexual, mas igualmente à estilos de vida específicos e também à temores em termos de raça/etnia e classe social. A dificuldade científica inicial de se identificar um agente patogênico que causava a morte de pessoas jovens, em especial homossexuais, vistos como os principais responsáveis pela disseminação de um mal, marcava-se, por um lado, pela limitação extrema de protocolos terapêuticos eficazes, as dificuldades de atenção e cuidado em saúde, muitas vezes motivadas pela estigmatização decorrente do pânico moral instalado, mas, por outro lado, a morosidade em estabelecer políticas públicas de saúde e a institucionalização de agências governamentais que enfrentassem a gravidade da Aids. Isso foi evidente tanto em países “desenvolvidos” como, digamos, nos “demais”, tais como diversos países da América Latina. Pode-se dizer que o caráter global da Aids como uma pandemia, sobretudo nas duas primeiras décadas de sua emergência, evidenciou o que seria um verdadeiro evento crítico, articulando experiências pessoais a níveis variados de sofrimento social, socialidade e de violência estrutural.
A partir da década de 1990, passou a existir uma crescente biomedicalização e farmaceuticalização do HIV/Aids, embora tudo isso já estivesse presente desde os meados da década de 1980. Os enormes investimentos em pesquisa científica e o mercado lucrativo que fortalece ainda mais a indústria farmacêutica de remédios antiretrovirais foi um processo concomitante de intensa mobilização de ativismo biossocial de Aids, envolvendo pessoas, organizações e associações da sociedade civil. A partir de 1996, a terapia combinada tornou-se o protocolo biomédico defendido pela ciência, pela medicina e pelo ativismo de HIV/Aids, assegurado por modelos privados ou públicos de acesso e distribuição de medicamentos. Uma multiplicidade de exames e tecnologias biomédicas passaram a ser usadas e vividas de modo rotineiro e cotidiano por parte das pessoas vivendo com HIV/Aids, tal como os testes sorológicos ou o exame de carga viral (PCR), que coexistiram com dinâmicas e interações sociais pautadas no status sorológico e a formação de identidades clínicas ou biosociais, além da criação de mundos, coletividades e comunidades biosociais ou biopolíticas a partir do status sorológico e da condição biológica pela presença de um retrovírus no corpo e na vida.
Desde então, sobretudo no século XXI, estamos vendo reorientações em torno da prevenção da infecção ao HIV, não mais centrada no modelo preventivo de “comportamento mais seguro” com o uso de preservativos (masculinos e femininos). Nos últimos dez anos, estamos observando, sobretudo, a defesa e a regulamentação de protocolos e modelos de prevenção pré ou pós-exposição da infecção do HIV (PREP e PEP), agora assegurado por meio de políticas públicas regulamentadas, por exemplo em países como o Brasil e a Argentina, o acesso a remédios anti-retrovirais para pessoas não infectadas pelo HIV, o que evidencia uma mudança significativa diante daquele modelo de prevenção que emergiu a partir dos primeiros anos da epidemia, inclusive como uma resposta prática urgente do ativismo LGBT e de HIV/Aids. É verdade que havia questionamentos, já com razoável antecedente histórico, desse modelo preventivo “comportamental” pautado no “sexo seguro”, cujas criticas tinham, porém, alcance restrito por meio de estímulos e discursos favoráveis ao sexo bareback (sem camisinha, “inseguro”), questionando o higienismo dos protocolos de prevenção ao HIV. Do mesmo modo, aconteciam, em concomitância, mobilização social e empreendimentos morais em prol de uma legislação mais dura e robusta de criminalização da infecção do HIV como uma nova tipificação penal voltada à crimes de responsabilização individual ao se transmitir uma doença sem cura.
O atual cenário das experiências e políticas do viver com HIV/AIDS expõem refrações de um processo histórico já de longa duração em que categorias como indetectabilidade ao HIV supõe a ideia de “tratamento como prevenção”, conjugada a uma rotina de exames e testes que monitoram de modo molecular as taxas virais e as rotinas regulares (durante uma vida?) de gestão do status sorológico do HIV (e também de outras infecções sexualmente transmissíveis). Como antes no século XX, o atual contexto se apresenta por meio da heterogeneidade e/ou pluralidade de experiências do viver com HIV/Aids, reconhecendo fatores ou marcadores sociais como gênero, diversidade sexual, classe, etnia/raça, geração/idade, etc. Tudo isso evidencia um grave problema de saúde pública cujas experiências, mobilizações e respostas caracterizam-se por interseccionalidades e pluralidades societárias ou culturais.
Para o dossiê, pretendemos reunir artigos que evidenciem pesquisas empíricas aprofundadas, sobretudo aquelas em uma fase adiantada de investimento analítico e metodológico. Esperamos receber propostas de artigo realizadas em Antropologia e nas demais Ciências Sociais bem como em Saúde Coletiva.
As/os autores/as devem submeter seus textos, seguindo as normas do periódico, por meio do portal https://periodicos.ufrn.br/vivencia/index até o dia 22 de agosto de 2022. O número está previsto a ser publicado para o segundo semestre de 2022. A revista Vivência publica textos em português, espanhol, inglês e francês. Portanto, artigos estrangeiros serão bem-vindos.
Para mais informações, enviar mensagem para o e-mail vivenciareant@yahoo.com.br indicando como assunto da mensagem o tema do dossiê: “40 anos da epidemia do HIV/Aids”.
É indispensável que as/os autores observem as normas da Vivência [em: https://periodicos.ufrn.br/vivencia/about/submissions] antes de submeterem as suas propostas.