As tensões do jardim: a construção discursiva da epifania no conto "Amor", de Clarice Lispector
DOI:
https://doi.org/10.21680/1517-7874.2024v26n1ID33239Resumo
Este trabalho busca oferecer uma descrição discursiva daquilo que a crítica literária (CAMPOS, 2017; SÁ, 2000) cunhou como “epifania” ou como “indecifrabilidade” na obra de Clarice Lispector. Para tanto, apoiamo-nos nas ferramentas da semiótica discursiva (GREIMAS, 2014) e de seu desdobramento tensivo (ZILBERBERG, 2006a; 2006b; 2011) a fim de analisar o arranjo particular da epifania em “Amor” (LISPECTOR, 2020). Acompanhando o percurso da narrativa, este artigo discute inicialmente a construção do estado instável em que se encontra a personagem. Aborda-se para tanto a configuração temporal de sua viagem de bonde, bem como de seu fluxo interno de pensamento; a construção de um destinador social que a enlaça em seu cotidiano; e o fluxo aspectual que se estabelece entre presente e passado. Em seguida, discute-se a aparição epifânica e sua ligação profunda com os sentimentos de piedade e compaixão (LIMA, 2016) e continua-se com a descrição dos desdobramentos dessa fratura do cotidiano (GREIMAS, 2017) no conflito sensível que experimenta a personagem no Jardim Botânico. Seu percurso termina na volta ao lar, que se vê invadido pelas sensações do exterior (o não-lar). O artigo finda por descrever a progressão discursiva de restabelecimento da personagem até seu repouso na conjunção com o marido. Por meio do escrutínio desse conto, mostra-se que, longe de ser indecifrável, a confusão da personagem está, ao contrário, profundamente urdida no tecido discursivo e organizada para levar o leitor a sentir, com Ana, a epifania piedosa.
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